O senhor idoso, num gesto de compreensível irritação, ao ser pressionado por familiares para que fizesse uma caminhada todos os dias, sedentário que sempre foi e avesso a qualquer exercício físico, gritou: ‘‘Quero que me esqueçam’’. A senhora que cruzou comigo, ontem, na farmácia, falou sem mais nem menos: ‘‘Sabe, tenho uma amiga que faz o seu curso. Esta semana é aula aberta, não é? Todas as vezes que tem, ela liga para mim, convidando, mas nunca fui’’. Alguém fala, até com certo orgulho, de seu natural desligamento e de que nunca lembra de agradecer os potinhos com doce de abóbora, de coco queimado e de cidra que a vizinha traz do sítio e lhe manda sempre. Ao senhor, muito próximo a mim, disse: ‘‘Que bom que as pessoas à volta ainda se preocupam com sua saúde e bem-estar e ligam perguntando se você tem andado’’. À tal senhora com quem cruzei na farmácia, respondi no ato: ‘‘Se a senhora é convidada tantas vezes por sua amiga, deveria aceitar, muito menos pela minha aula, que pode nem lhe agradar, mas pelo carinho do convite’’. E à desligada que nunca agradece nada, respondo por aqui: coisa boa é receber de alguém esse gesto de afeto, o petit-bonheur, como falamos dia desses. Que iluminação gostosa em nosso cotidiano. A eles, a mim, a vocês: sabe porque a gente precisa agradecer e aceitar os convites feitos? Porque, diante da constante recusa, da falta de eco ou da indiferença, um dia as pessoas se cansam e não nos convidam mais, assim como deixam de perguntar como estamos e de se interessar por nós. E ser lembrado é uma das melhores coisas dessa vida. Muitas vezes, e infelizmente, só reconhecida quando ficamos sós, abandonados, relegados ao esquecimento. Ser lembrado é nos chamar à vida, é dar um novo significado a um relacionamento, é exaltar e acariciar a nossa condição de seres amoráveis, expansivos e plenos. Reconheçam e respondam a esses gestos com o mais doce agradecimento, com a troca possível. Ser lembrado por um amigo é o sonho do amor presente em nosso dia-a-dia. Que abre a nossa alma para a integração ao Todo.
Luiz Alca de Sant‘anna (um colunista "A Tribuna" pra se lembrar de ler, sempre...)
1.6.05
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